A Providência de Deus na vida de Simão de Cirene
| Uma exposição bíblica nos textos de Marcos 15: 21; Lucas 23:26 e Mateus 27.32 (KJA)
Pr. Linaldo Lima [1]
Entre os muitos personagens que aparecem na narrativa da paixão de Cristo, um se destaca por sua breve, mas profundamente significativa participação: Simão de Cirene. Um homem vindo do norte da África, que, ao passar por Jerusalém, é obrigado pelos soldados romanos a carregar a cruz de Jesus. Este gesto simples, ainda que forçado, revela verdades profundas sobre o discipulado, a providência divina e a inclusão de todas as nações no plano redentor de Deus.
Neste artigo, analisaremos a figura de Simão sob a perspectiva reformada, explorando sua origem, o contexto da época, o significado teológico da cena e suas implicações práticas para o nosso caminhar com Cristo.
1 O Contexto histórico e geográfico de Simão de Cirene
Cirene era uma cidade localizada na Líbia, norte da África, e abrigava uma grande comunidade judaica desde o período da diáspora. Simão, portanto, era um judeu africano que, provavelmente, foi a Jerusalém para a festa da Páscoa (cf. Atos 2.10).
Segundo Flávio Josefo e outras fontes históricas, a Cirenaica era uma região de relevância econômica e cultural no império romano, com comunidades judaicas ativas e influentes. A presença de judeus africanos em Jerusalém é evidenciada também pela menção à “sinagoga dos libertos” (Atos 6.9).
2 A Providência Divina na Ação Humana
“Então obrigaram Simão Cireneu, pai de Alexandre e de Rufo, que por ali passava, regressando do campo, a carregar a cruz de Jesus.” (Marcos 15.21). O Evangelista Marcos relata que Simão foi “obrigado” a carregar a cruz de Cristo. A palavra grega usada, aggareuo, indica coerção, uma prática comum entre os soldados romanos. No entanto, o que para os homens era mera conveniência militar, para Deus era plano soberano.
Como sempre acreditamos, de acordo com a teologia reformada, nada ocorre fora da vontade decretativa de Deus. Ainda que Simão tenha sido forçado, ele foi divinamente conduzido ao coração da história da redenção, tocando a cruz que traria salvação ao mundo. Sua participação não foi acidental, mas providencial.
3 Uma imagem viva do discipulado
“E, enquanto o levavam, detiveram um certo Simão, natural de Cirene, que voltava do campo, e colocaram a cruz sobre ele, para que a levasse atrás de Jesus.” (Lucas 23.26). Lucas destaca que Simão tomou a cruz “atrás de Jesus”, evocando o ensino direto do Mestre: “Em seguida, dirigiu-se a todos: Se alguém deseja seguir-me, negue-se a si mesmo, tome, dia a dia, a sua cruz e siga-me.” (Lc 9.23).
Simão torna-se, sem saber, um paradigma do verdadeiro discípulo, que caminha atrás de Cristo, assumindo o peso da cruz. Não por escolha humana, mas por convocação divina. Ele aponta para todos aqueles que, redimidos, são chamados a sofrer com Cristo, para também com Ele serem glorificados (cf. Romanos 8.17).
4 A Inclusão das Nações no Plano Redentor
“Enquanto saíam, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e o obrigaram a carregar a cruz de Jesus.” (Mateus 27.32). Que um africano — ainda que judeu — tenha sido o primeiro a carregar a cruz de Cristo tem peso simbólico. Antecipadamente, o evangelho rompe barreiras raciais, geográficas e culturais. Na tradição reformada, isso aponta para a catolicidade da Igreja – um povo redimido de toda tribo, língua, povo e nação:
“E entoavam um novo cântico, proclamando: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, pois foste morto e, com teu sangue, compraste para Deus pessoas de toda tribo, língua, povo e nação.” (Ap 5.9). Simão representa os que vêm de longe e são trazidos para perto (cf. Ef 2.13), como participantes do sofrimento de Cristo e, futuramente, da Sua glória.
5 A possível conversão de sua casa (Mc 15.21 / Rm 16.23)
Marcos menciona que Simão era pai de Alexandre e Rufo, e Paulo, mais tarde, saúda um certo Rufo, “eleito no Senhor”: “Saudai Rufo, eleito no Senhor, e sua mãe, que tem sido mãe para mim também.” (Rm 16.13).
Isso pode indicar que Simão e sua família foram profundamente transformados por aquele encontro. A tradição patrística também sugere que Rufo foi um dos líderes da igreja em Roma. A graça de Deus alcança lares inteiros por meio de encontros com a cruz.
APLICAÇÕES PRÁTICAS – A Cruz na Vida Diária
(1) Nenhum lugar está fora do alcance da providência de Deus. Ao considerarmos que Simão era de Cirene (Marcos 15.21), aprendemos que Deus nos alcança onde estivermos. Talvez você viva longe de centros religiosos, em meio a uma rotina comum, como Simão “vindo do campo”. Ainda assim, Deus pode te inserir na história d’Ele. Hoje, Deus ainda encontra pessoas em seus caminhos ordinários e transforma suas rotas em jornadas de redenção. Onde você está hoje não limita o que Deus pode fazer através de você.
(2) O peso da cruz é providencial, não acidental. Quando os soldados obrigam Simão a carregar a cruz, vemos que o que parece injustiça humana é, na verdade, instrumento da soberania divina. Deus não desperdiça sofrimentos. Assim como Simão, você pode ter sido “forçado” a enfrentar dores, perdas, pressões — mas saiba que o Deus soberano está conduzindo cada detalhe para glória dele e para sua formação. Lembre-se: a cruz que Deus coloca sobre seus ombros é sempre medida com graça e propósitos eternos.
(3) O verdadeiro discipulado caminha atrás de Jesus, mesmo com peso. “Colocaram a cruz sobre ele, para que a levasse atrás de Jesus” (Lc 23.26). Simão viveu, literalmente, o chamado de Lucas 9.23. Isso nos lembra que o discipulado não é um convite ao conforto, mas à cruz. Em um mundo que valoriza facilidade e sucesso rápido, o evangelho nos chama a seguir um Cristo que vai para o Calvário. Você está disposto a seguir Jesus mesmo quando isso significa sacrifício?
(4) A cruz é para todos: a inclusão de Simão aponta para o alcance do evangelho. O fato de um africano, judeu da diáspora, participar da crucificação de Jesus nos lembra que a salvação é para toda tribo, povo e nação (Ap 5.9). Em dias em que o mundo insiste em polarizar por etnia, cor, cultura ou origem, a cruz nos une como um só povo redimido. O evangelho é para todos — e deve ser proclamado a todos com ousadia e compaixão.
(5) O toque da cruz transforma famílias. Marcos nos informa que Simão era pai de Alexandre e Rufo (Mc 15.21), e Paulo saúda “Rufo, eleito no Senhor” (Rm 16.13). O que isso nos ensina? Que um encontro real com a cruz pode impactar toda a casa. Seu exemplo de fé, sua obediência a Deus no meio das dores, pode ser o canal para a salvação dos seus filhos, cônjuge, parentes. Não subestime o impacto de carregar a cruz em sua família. Deus trabalha de geração em geração.
Conclusão
A história de Simão de Cirene é muito mais do que um detalhe na caminhada de Jesus ao Calvário. Ela é um retrato da providência divina, da natureza do verdadeiro discipulado e da inclusão graciosa de todos os povos no plano eterno da salvação. Um homem comum, vindo de longe, foi conduzido por Deus ao momento mais sagrado da história: o encontro com a cruz de Cristo.
Simão não pediu para carregar aquela cruz. Ele não planejou fazer parte da narrativa da redenção. Mas Deus o colocou lá. E aquele breve contato mudou não apenas a sua vida, mas, ao que tudo indica, a vida de sua casa e seu legado espiritual. O mesmo Deus que o conduziu, também nos conduz hoje.
A pergunta que fica para nós é: O que temos feito com a cruz que nos foi confiada?
- Estamos dispostos a seguir Jesus mesmo quando o caminho é de dor?
- Temos reconhecido que não há encontros casuais com a cruz?
- Estamos sendo instrumentos de redenção em nossas famílias, como Simão foi para Rufo?
Lembre-se: carregar a cruz não é um castigo, é um privilégio. É ser contado entre os que foram marcados pela graça, chamados para seguir o Mestre até o fim.
Hoje, Deus continua chamando Simões — homens e mulheres comuns — para tocar a cruz, andar atrás de Jesus e viver para a glória d’Ele. Que possamos responder a esse chamado com fé, com obediência e com viva esperança. Porque aquele que carrega a cruz com Cristo, também reina com Cristo.
Que Deus nos abençoe!
REFERÊNCIAS:
FERGUSON, Sinclair. The Whole Christ. Wheaton: Crossway, 2016.
HORTON, Michael. Teologia Sistemática: Uma introdução à dogmática cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2017.
JOSEFO, Flávio. História dos Judeus. São Paulo: CPAD, 2003.
MORASHÁ. Judeus na Líbia: A história dos judeus da Cirenaica. Disponível em: https://www.morasha.com.br/comunidades-da-diaspora/judeus-na-libia.html. Acesso 19/04/2025.
BÍBLIA. Bíblia King James Atualizada. Tradução João Ferreira de Almeida. 1. Ed. São Paulo: Abba Press, 2011.
[1] Pastor auxiliar da Igreja Batista Missionária El-Shaday. Casado com Macrina Lima e pai de Letícia Lima. É Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Nacional (SETEBAN-PE). Bacharel em Administração de Empresas pelo Centro Universitário Maurício de Nassau (UniNassau). Pós-Graduado em Pregação Expositiva pelo Seminário Teológico Batista Nacional de Pernambuco (SETEBAN-PE) e atualmente é Mestrando em Estudos Históricos-Teológicos pelo Centro Presbiteriano Andrew Jumper (CPAJ).