Quando a permissão de Deus revela o Engano do Coração

quinta-feira, abril 24th, 2025

Uma exposição bíblica do texto de Números 22: 1 – 41.

| Pr. Linaldo Lima [1] |


O capítulo 22 de Números nos apresenta um dos episódios mais intrigantes e, ao mesmo tempo, reveladores das Escrituras: a jornada do profeta Balaão para encontrar Balaque, rei de Moabe. A tensão reside no fato de que Deus inicialmente proíbe a ida de Balaão, mas depois parece permitir que ele vá. Essa ambiguidade superficial, no entanto, revela uma verdade profunda sobre a natureza da vontade de Deus, as motivações humanas e a soberania divina. Mais do que uma narrativa sobre um profeta e um rei pagão, este texto nos convida a refletir sobre como lidamos com a vontade de Deus e como Cristo, o verdadeiro Interventor, se revela no caminho daqueles que insistem em seguir suas próprias inclinações.

A proposição deste artigo é: A vontade de Deus não deve ser apenas consultada, mas obedecida com inteireza de coração; quando ignoramos isso, mesmo uma permissão divina pode nos conduzir ao juízo — e é nesse caminho que Cristo se revela como Juiz, Interventor e Redentor.

1 A Vontade de Deus já era conhecida (Nm 22.12)

“Não irás com eles. Não poderás amaldiçoar esse povo, pois é povo abençoado!”. Deus havia falado com clareza: o povo é abençoado e não deve ser amaldiçoado. A Palavra de Deus é suficiente e clara. Quando pedimos uma “nova direção” já sabendo o que Ele disse, corremos o risco de cair em autoengano.

O Comentário Bíblico de Genebra observa que Balaão, ao usar o nome “Yahweh”, demonstra conhecimento do Deus verdadeiro, mas sua resposta omite que Israel era abençoado, indicando uma intenção oculta de agradar a Balaque.

2 A Insistência de Balaão revela um coração ganancioso (Nm 22.15-19)

“Descansai aqui esta noite…” Balaão já sabia a vontade de Deus, mas insiste. Isso revela um desejo oculto: a recompensa. Pedro denuncia sua corrupção: “Seguindo o caminho de Balaão… que amou o prêmio da injustiça” (2 Pe 2:15). Michael Horton, em “Cristianismo sem Cristo”, alerta sobre a tendência de adaptar a mensagem divina para agradar interesses pessoais, o que reflete a atitude de Balaão ao buscar uma nova resposta de Deus.

3 Deus permite, mas não aprova (Nm 22.20)

“Vai com eles. Entretanto, não farás senão exatamente aquilo que Eu te ordenar!” Deus concede o que Balaão quer, mas está testando o coração dele. A vontade permissiva de Deus pode ser um campo de juízo quando ignoramos a Sua vontade revelada. Cuidado com portas abertas que não têm a bênção do céu.

R.C. Sproul enfatiza que a permissão divina não implica aprovação, e que Deus pode permitir ações humanas para cumprir Seus propósitos soberanos, mesmo quando essas ações são motivadas por intenções erradas.

4 A Ira de Deus se acente por causa das motivações (Nm 22.22)

“Sua partida provocou a ira de Yahweh…” A ida não era o problema, mas como ele foi: com ambição. A motivação errada pode transformar até um chamado legítimo em um caminho de destruição. O Rev. Hernandes Dias Lopes destaca que Balaão é um exemplo de um profeta que prostituiu seu chamado, ao tentar obter ganhos com o dom divino. Impressionante como temos ministros do evangelho seguindo esse mesmo exemplo de Balaão em nossos dias, não é meus irmãos?

5 O Anjo do Senhor: Uma teofania que aponta para Cristo (Nm 22.23-35)

Antes de discorrer sobre o assunto, precisamos destacar que a palavra teofania vem do grego theos (????), que significa “Deus”, e phaino (?????), que significa “aparecer” ou “manifestar”. Assim, teofania significa literalmente “manifestação de Deus”.

Sendo assim, Teofania é uma manifestação visível de Deus à humanidade, especialmente registrada no Antigo Testamento. Essas aparições são geralmente temporárias, extraordinárias, e servem para revelar algo do caráter, da vontade ou da missão de Deus. Dito isto, vejamos essa teofania que aponta para Cristo nos seguintes aspectos:

5.1 O Anjo fala como Deus (v.32) -> “Sou Eu quem vim barrar-te a passagem.” O Anjo fala na primeira pessoa divina. Ele não é um mensageiro comum, mas o próprio Deus em manifestação visível.

5.2 Ele exerce juízo e misericórdia (v.33) -> “Eu mesmo já o teria matado…” Só Deus pode julgar assim. Ainda assim, Ele poupa Balaão — uma antecipação do Cristo que viria como Justo Juiz e Misericordioso Salvador.

5.3 Ele é uma Cristofania -> Em várias passagens (Gn 22, Êx 3, Jz 13), o “Anjo do Senhor” é visto como o próprio Deus em forma visível. Aqui, Ele aparece como Juiz soberano, Interventor divino e Redentor gracioso — todos papéis cumpridos perfeitamente em Jesus Cristo.

O Rev. Heber Campos Jr. observa que o Anjo do Senhor é uma manifestação divina que fala com autoridade e exerce juízo, características atribuídas a Deus.

6 Cristo no caminho do pecador: O juízo que redireciona

Cristo aparece no caminho de Balaão não para destruí-lo, mas para corrigi-lo. A jumenta vê o que o profeta não enxerga — um lembrete de que sem revelação, o homem é cego espiritualmente (1 Co 2:14). O Senhor Jesus intervém na história humana para confrontar o pecado, redirecionar o homem e revelar o propósito eterno de Deus.

Hernandes Dias Lopes destaca que Balaão, mesmo sendo um profeta, foi menos sensível à direção divina do que sua jumenta, destacando a necessidade de humildade e obediência à vontade de Deus.


APLICAÇÕES PRÁTICAS

A passagem de Balaão nos ensina que:

  • (1) A vontade de Deus não precisa de complementos – ela já é clara. Portanto, devemos obedecê-la sem buscar atalhos que agradem aos nossos corações.
  • (2) A obediência parcial é rebeldia disfarçada. Devemos refletir sobre nossas motivações: o que parece espiritual pode estar enraizado em ambição.
  • (3) O juízo de Deus não vem sem aviso, e muitas vezes Ele mesmo intervém para nos corrigir. Reconheçamos que a permissão divina pode ser uma forma de juízo. E
  • (4) Cristo é o Anjo do Senhor – o Juiz, Redentor e o Deus que entra em nossos caminhos com ira justa e misericórdia infinita. Cristo intervém em nossos caminhos não para destruir, mas para corrigir e redimir.

CONCLUSÃO

O caminho de Balaão é um espelho do nosso próprio coração: queremos obedecer, mas muitas vezes do nosso jeito. A graça de Deus, no entanto, intervém com disciplina e correção. Que hoje possamos refletir sobre nossa submissão à vontade de Deus e permitir que Cristo, nosso Interventor divino, nos redirecione à Sua verdade. Não ignore a voz do Senhor. Quando Ele falar, obedeça com todo o coração.

E que Deus, pois, nos abençoe!


REFERÊNCIAS:

CAMPOS JR., Heber. O ser de Deus e suas obras. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2005.

HORTON, Michael. Cristianismo sem Cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

LOPES, Hernandes Dias. Comentário Expositivo de Números. São Paulo: Hagnos, 2013.

SPROUL, R.C. A Santidade de Deus. São José dos Campos: Editora Fiel, 2015.

BÍBLIA. Bíblia King James Atualizada. Tradução João Ferreira de Almeida. 1. Ed. São Paulo: Abba Press, 2011.


[1] Linaldo Lima é pastor auxiliar da Igreja Batista Missionária El-Shaday. Casado com Macrina Lima e pai de Letícia Lima. É Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Nacional (SETEBAN-PE). Bacharel em Administração de Empresas pelo Centro Universitário Maurício de Nassau (UniNassau). Pós-Graduado em Pregação Expositiva pelo Seminário Teológico Batista Nacional de Pernambuco (SETEBAN-PE) e atualmente é Mestrando em Estudos Históricos-Teológicos pelo Centro Presbiteriano Andrew Jumper (CPAJ).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.