| Uma exposição bíblica sobre a Crise de Adoração no Período dos Juízes – Capítulo 17.
O período dos juízes foi uma das épocas mais caóticas e espiritualmente corrompidas da história de Israel. O versículo que sintetiza o espírito dessa era aparece repetidamente no livro: “Naqueles dias não havia rei em Israel; cada um fazia o que lhe parecia certo aos seus próprios olhos.” (Jz 17.6). Essa frase não apenas aponta para a ausência de liderança política, mas, sobretudo, para a crise moral e teológica do povo.
Vivemos tempos semelhantes. Apesar da abundância de templos, igrejas e líderes religiosos, vemos uma adoração cada vez mais moldada pelos desejos humanos do que pela Palavra de Deus. O capítulo 17 de Juízes nos apresenta a história de Mica, um homem aparentemente religioso, mas profundamente desconectado do padrão divino. Esta narrativa é um retrato da religião sem aliança, sem revelação e sem Cristo. Vamos a ela, então!
1- A Religiosidade fabricada pelo coração humano (Jz 11.1-5)
Mica rouba a prata de sua mãe, que, por sua vez, a havia amaldiçoado (v.2). Quando ele devolve o dinheiro, ela o “consagra” ao Senhor, mas o usa para fazer uma imagem esculpida e uma de metal. Mica então estabelece um santuário doméstico, cria seus próprios utensílios sagrados e institui um de seus filhos como sacerdote.
Para efeitos de contexto, na Lei mosaica, a confecção de imagens era expressamente proibida (Êx 20.4). Além disso, o culto deveria ser centralizado no tabernáculo, com sacerdócio exclusivo da tribo de Levi (Dt 12.5-14; Nm 3.10).
Mica é a clara representação do homem que tenta se aproximar de Deus com base em seus próprios termos. O problema aqui não é a ausência de religião, mas a criação de uma religião personalizada. O reformador João Calvino já afirmava que “o coração humano é uma fábrica de ídolos” (CALVINO, Institutas, I.11.8).
2- A corrupção do ministério levítico (Jz 11.7-13)
Um jovem levita, de origem desconhecida, mas residente em Belém de Judá, chega à casa de Mica. Este, ao descobrir sua linhagem levítica, o contrata como sacerdote pessoal. Mica se alegra e diz: “Agora sei que o SENHOR me fará prosperar, pois tenho um levita por sacerdote.” (v.13).
O interessante é que, biblicamente, os levitas deveriam servir em locais determinados e não vagar buscando sustento (Nm 35). O levita, ao aceitar servir a um culto idólatra por salário e comodidade, revela o declínio da liderança espiritual em Israel.
Esse levita nos aponta para a necessidade de um sacerdote fiel. Não é qualquer descendente de Levi que pode nos representar diante de Deus, mas sim o nosso Sumo Sacerdote eterno: Jesus Cristo, “fiel ao que o constituiu” (Hb 3.2, KJA).
3- Aplicações Práticas
(1) Fé sem fundamento bíblico é superstição disfarçada. A prata de Mica foi “consagrada”, mas o resultado foi idolatria. Práticas religiosas precisam estar enraizadas na Palavra de Deus e não nas emoções ou tradições (Mt 15.8-9).
(2) Não há neutralidade na adoração. Todo culto que não é centrado em Cristo é idolátrico, ainda que use o nome de Deus (Jo 4.23-24). O reformador Louis Berkhof alertou que “o culto verdadeiro só pode ser praticado por aqueles que foram regenerados e têm comunhão com Deus por meio de Cristo”.
Aqui cabe uma reflexão até para os cultos de Ação de Graças que muitos irmãos costumam realizar com o objetivo de agradecer a Deus por um milagre ou propósito especificamente alcançado. Mesmo nesses cultos, que costumeiramente buscam-se canções ou testemunhos que remetam ao milagre alcançado, é preciso centrar todas as ações em Cristo. Caso contrário, será mais um culto centrado no homem… O que perde todo o sentido na “boa intenção”.
(3) A liderança espiritual deve ser fiel à vocação divina. O levita que se vende por salário representa os mercenários modernos. Pastores e líderes precisam lembrar que são servos do rebanho de Cristo, e não profissionais da religião (1 Pe 5.2-4).
(4) Cristo é o único mediador e sacerdote perfeito. Qualquer tentativa de substituir a mediação de Cristo é anticristã (1 Tm 2.5). O culto reformado é centrado em Cristo porque Ele é o único caminho para o Pai (Jo 14.6).
CONCLUSÃO
A história de Mica e seu levita é um alerta para nossos dias. A religião sem aliança com Deus e sem Cristo é uma fraude, ainda que tenha aparência de piedade. Deus não se impressiona com templos ou cânticos, mas busca adoradores que O adorem em espírito e em verdade.
Como pastores, pais, mães, líderes ou membros da Igreja de Cristo, precisamos voltar ao padrão da Escritura. A Reforma Protestante foi um clamor por esse retorno: Sola Scriptura, Solus Christus, Sola Fide, Sola Gratia, Soli Deo Gloria.
Hoje, o chamado é claro: arrependa-se da adoração moldada por preferências pessoais e se renda ao Rei e Sacerdote verdadeiro, Jesus Cristo. Ele é suficiente. Sua Palavra é suficiente. E somente nEle a nossa adoração será aceita. Que Deus nos abençoe!
Por Linaldo Lima [1]
REFERÊNCIAS:
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã, v. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 1998.
WESTMINSTER ASSEMBLY. Confissão de Fé de Westminster. São Paulo: Editora Os Puritanos, 1999.
BÍBLIA. Bíblia King James Atualizada. Tradução João Ferreira de Almeida. 1. Ed. São Paulo: Abba Press, 2011.
[1] Pastor auxiliar da Igreja Batista Missionária El-Shaday. Casado com Macrina Lima e pai de Letícia Lima. É Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Nacional (SETEBAN-PE). Bacharel em Administração de Empresas pelo Centro Universitário Maurício de Nassau (UniNassau). Pós-Graduado em Pregação Expositiva pelo Seminário Teológico Batista Nacional de Pernambuco (SETEBAN-PE) e atualmente é Mestrando em Estudos Históricos-Teológicos pelo Centro Presbiteriano Andrew Jumper (CPAJ).
